Nos últimos dias o centro de São Paulo viveu uma mudança com a ações realizadas na Cracolândia, o jornal O Registro desta semana abordará o tema com opiniões de profissionais de diversas áreas para este debate.
O assunto é bastante polêmico e com divergências de opiniões a respeito das ações que foram tomadas. Dentro deste quadro existe opiniões contra e outras a favor das ações realizadas pela Prefeitura de SP e o Governo do Estado.
Em entrevista a Promotora Pública de Extrema, Dr. Rogéria Cristina Leme deixou sua opinião e posicionamento.
“Como cidadã, em princípio, sem conhecer em profundidade a questão, eu aplaudo a iniciativa, nas suas linhas gerais. É sabido que o crack é uma droga devastadora. Compromete a capacidade de autodeterminação do indivíduo. O dependente dessa e de outras substâncias tão ou mais graves, troca casa, família, emprego, comida, chuveiro quente, afeto, dignidade, qualquer coisa, pelo crack. A droga reduz o sujeito a um pensamento único, qual seja, o de ter mais crack, por que viver sem a droga lhe traz um desconforto físico e psíquico tão grande, que a vida torna-se insuportável. Daí a degradação humana em que se encontram, que inclui a mendicância, a prostituição e a prática de crimes.
Assim, esperar que essas pessoas adiram a tratamento psicoterapêutico e medicamentoso, e se libertem, é, ou ingenuidade, ou hipocrisia. A verdade é que a Cracolândia é uma morte em vida, lenta e cruel, que contava com o silêncio e a omissão da sociedade. Era preciso quebrar esse ciclo”.
Perguntado se há outro meio de se combater esse mundo vicioso e criminoso que assola não só a capital de SP, como também outros municípios, Dr. Rogéria explicou: O tráfico e o consumo de drogas é um dos maiores problemas do mundo atual, desafia governos, instituições policiais, sociedades, famílias. A conduta configura crime, especialmente, a formação de bolsões urbanos de consumo de crack, que incluía crianças e mulheres grávidas, o que obviamente não pode ser tolerado.
É verdade que a oferta e a demanda (consumo) só crescem, apesar dos esforços. É uma questão de mercado, de quantidade de seres humanos querendo diversão em “cápsulas”, ou fugir da realidade, de seus problemas, de suas questões existenciais, com soluções mágicas. Apesar disso, sou absolutamente contra a descriminalização das drogas. Seria como matar o coveiro, para acabar com a morte, ou seja, uma solução inútil, e que fragilizaria, ainda mais, a segurança da sociedade. Países europeus, bem menores que o nosso, com muito menos problemas sociais e de criminalidade, estão recuando na sua política de liberação parcial das drogas, como é o caso da Holanda e de Portugal.
De acordo com a Promotora, o Ministério Público, embora a lei diga que é uno e indivisível, é uma instituição humana, formada por indivíduos, com diferentes concepções e visões de mundo. Impossível conseguir uma unidade de pensamento numa comunidade tão grande, como a dos promotores de justiça do país todo. Em princípio, discordo do posicionamento do meu colega, embora, ressalte, não conheço em profundidade essa realidade, mas, provavelmente, discorde dele, da sua premissa básica, que é o respeito a autonomia de quem não mais a possui, pois está dominado pelo vício.
Dr. Rogéria entende que a internação compulsória, nesses casos, é o último recurso. “É um respiro, um prazo para o sujeito limpar-se das substâncias químicas e tentar recobrar a razão e o controle sobre sua vida. Fora disso, apenas a morte. A justiça paulista não proibiu a internação compulsória, apenas sujeitou-a a uma avaliação prévia e individualizada. O problema é também de logística, de número de leitos hospitalares, número de clínicas previamente conveniadas. Parece que houve um atropelo nesse tema. Mas, do ponto de vista legal, e também ético, entendo como plenamente justificável a internação compulsória, para casos de compulsão, como as geradas pelo crack”, finalizou a Promotora Dr. Rogéria Leme.
De acordo com Marco Antônio Barbosa, especialista em segurança, esse problema não é exclusivo da capital paulista. Em levantamento do Observatório do Crack, um monitoramento realizado pela CNM (Confederação Nacional dos Municípios), a droga é um grave problema para 1.155 municípios brasileiros, um quinto dos 5.570 existentes. São Paulo, Minas Gerais e Bahia ocupam as primeiras posições em alto nível de problemas com crack.
Segundo Marco, o crack avança e está cada dia mais perto de nós. Precisamos entender qual é a sistemática do problema e atuar em múltiplas frentes.
Para o advogado Rodrigo Leça, está sendo realizada uma política – equivocada – de higienização social, onde os “moradores” da cracolândia estão sendo retirados pelo poder público de forma violenta e precipitada, a fim de combater o tráfico de drogas e diminuir a violência da região.
Deve-se ter em mente que, não trata-se apenas de uma higienização das ruas, mas de vidas que estão tendo suas rotinas alteradas e devem ser tratadas de forma individual a luz de assistência social e médica.
É uma medida muito importante para a sociedade, porém, estão havendo muitas falhas em seu planejamento, haja vista que há dois grupos de pessoas nas quais podemos classifica-las (se é que podemos): os adoentados, e os traficantes de drogas; e ambos os grupos estão sendo tratados de forma equivalente, como se todos fossem criminosos.
Trata-se de pessoas que não possuem moradias; oportunidades de emprego; não possuem ajuda social e psicológica. Deve se ressaltar que o problema não é uma questão criminal, mas sim, de saúde pública. Devem ser realizadas medidas de planejamento social – “de forma adequada”, para que essas situações não ocorram, não somente em São Paulo mas em todo o país.
De acordo com Leça, o MP agiu corretamente em pedir para barrar a liminar, que autorizava a internação compulsória dos dependentes químicos, agindo em conformidade com a lei e os princípios que regem os direitos humanos. Não adianta a internação compulsória para tratar o vício, se não há locais com estrutura adequada e profissionais para o devido tratamento dos dependentes químicos. Outra situação importante a ser analisada é o destino do dependente ao término do tratamento, que não tendo para onde ir, voltará para as ruas sem qualquer política sequencial do tratamento.
“Após a avaliação individual realizada por médicos e assistentes sociais, se esta for a última medida a ser tomada tendo em vista que outro tratamento similar não será eficaz para cuidar a dependência, a internação é a medida cabível para que a vida da pessoa seja preservada em sua integridade, porém, a internação não pode ocorrer de modo superficial e coletivo como seria feito se não fosse a intervenção do Ministério Público, mas sim de forma individual e acompanhada por profissionais qualificados”, finalizou Rodrigo Leça.