Após dois anos de investigação, Ministério Público denuncia o prefeito Agnaldo Perugini

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Durante dois anos a promotora de Justiça Margarida Alvarenga investigou o prefeito Agnaldo Perugini e outros quatro integrantes de sua primeira gestão – dentre eles, seu cunhado, Eder Francisco – por ´graves indícios de favorecimento à Consladel´, empresa que, em 2010, instalou radares em Pouso Alegre provocando uma enxurrada de multas – contestadas inclusive judicialmente. A licitação, de mais de dez milhões de reais, foi objeto de investigação do Ministério Público que apurou graves irregularidades; o relatório inclui falsificação de estudos técnicos para a instalação dos radares e ´jogo de cartas marcadas´e constata ainda ´que é patente o conhecimento e envolvimento do prefeito Agnaldo Perugini´ no caso, ´em afronta flagrante aos interesses públicos, com claro potencial danoso aos cofres municipais´. A denúncia, acatada pelo juiz da 3² vara cível de Pouso Alegre, obteve liminar que suspende pagamentos à Consladel. Durante os poucos meses em que os radares operaram, mais de cinco milhões de reais foram recolhidos em multas para os cofres da Prefeitura de Pouso Alegre.

A investigação, encerrada no dia três de dezembro do ano passado, envolve o prefeito Agnaldo Perugini e outros réus, entre eles Eliana Soares Nogueira, Eder Alfredo Francisco Vilhena Beraldo, Davi Luiz Pereira, Sérgio Augusto de Carvalho e a empresa Consladel Construtora e Laços Detentores e Eletrônica Ltda. A Ação Civil Pública oferecida pela promotora Margarida Alvarenga foi encaminhada pelo promotor substituto Marcelo Rutter Salles à Câmara Municipal de Pouso Alegre para ciência dos vereadores e providências para apurar o fato que, segundo a ação, lesou de forma grave os cofres públicos.

Os fatos
Pela investigação do MP – que começou em 29 de outubro de 2010 – através de documentos, depoimentos colhidos e estudos técnicos realizados por especialistas, ´restaram apurados inúmeros e graves vícios indicativos de favorecimento da empresa contratada [Consladel], isto não só durante o certame licitatório, mas também durante a execução do contrato firmado, tudo em desfavor da isonomia, da legalidade, da moralidade e dos cofres públicos.

O início da corrupção
No relatório, a promotora averiguou que no dia 20 de março de 2009 a secretária municipal de Planejamento, Eliana Soares Nogueira, solicitou a contratação de serviço especializado para implementação de sinalização horizontal e vertical com fornecimento de material e monitoração, controle e fiscalização de trânsito. A mesma secretária municipal de Planejamento pediu ainda que fossem incluídas especificações técnicas que, de acordo com o parecer da promotoria, ´daquelas especificações técnicas verificou-se a inclusão de alguns itens e serviços de alta sofisticação e complexidade tecnológica, claramente não condizentes com a dimensão do município de Pouso Alegre, tampouco com sua estrutura administrativa´.

Como exemplo, a promotora cita a requisição pela secretária Eliana Soares Nogueira de uma Central de Computação com capacidade para atender 200 postos de fiscalização, quatro unidades móveis e 192 postos de emissão e instalação e tags, além de cerca de 50 usuários internos da Secretaria de Justiça e Segurança, sendo esta, conforme a mesma promotora ressalta, ´Secretaria que jamais existiu neste município´.

O pior é que não houve justificativa para a implantação das especificações técnicas requeridas pela secretária Eliana Soares Nogueira, muito menos a realização de estudo prévio, o que é flagrante delito, pois a lei de licitações, Lei nº 8.666, exige prévio projeto básico para realizar o procedimento de licitação.

´Estudo técnico falsificado´
Pulando uma etapa indispensável para apurar a necessidade do serviço que a secretária Eliana Soares Nogueira requeria, as especificações técnicas e as planilhas de serviços e materiais foram encaminhados sem o prático estudo, advindos da secretaria municipal de Administração, do então secretário Eder Francisco, cunhado do prefeito Agnaldo Perugini. A promotora Margarida constatou que a autoria era indeterminada, estranha à administração municipal, uma vez que ´o município de Pouso Alegre não dispunha de técnicos habilitados a tanto, tampouco havia contratado terceiros´.

Foi apurado ainda que foram encaminhados da secretaria municipal de Administração para a secretaria municipal de Planejamento orçamentos prévios aos itens constantes das planilhas de serviços e materiais fornecidos por quatro empresas. No estudo da promotora Margarida Alvarenga, ´igualmente obscura a autoria das consultas e as razões determinantes da escolha daquelas empresas, três delas sediadas no Estado de São Paulo´.

Já a Lei Complementar nº 101 é taxativamente clara ao impor que, quem solicita a futura despesa é que deve assinar a Declaração de Compatibilidade da Despesa com o Plano Plurianual e a Lei de Diretrizes Orçamentárias. No caso, a secretária Eliana Soares Nogueira deveria ser a responsável. No entanto, é evidente que ´Eder Francisco é quem coordenava os procedimentos viciados voltados àquela contratação formalmente solicitada pela Secretaria de Planejamento´.

A promotora Margarida informa que é patente o conhecimento e o envolvimento do prefeito Agnaldo Perugini, ao dizer que ´neste contexto escancaradamente ilegal, inexistente projeto básico e inexistente declaração da solicitante sobre conformidade da despesa, o Prefeito Municipal, Sr. Agnaldo Perugini, 3º requerido, autorizou a abertura do processo licitatório que foi imediatamente aberto pelo Presidente da Comissão de Licitação, Davi Luiz Pereira, 4º requerido, sob modalidade de Concorrência para Registro de Preços – sistema que não obriga a aquisição de produtos listados e é regido por regras próprias´. No Registro de Preço, a promotora destaca que esta modalidade exige indicação fundamentada de estimativa de consumo médio mensal, anual e periodicidade de consumo dos itens e serviços pretendidos, além da justificativa de necessidade e aplicação dos mesmos, ´tudo isto inexistente no caso em apreço´, frisa a promotora.

A promotora Margarida Alvarenga cita como ´jogo de cartas marcadas´ o Registro de Preços realizado sob falsos dados. Vai além ao ressaltar que a empresa Consladel tinha prévio conhecimento das reais e efetivas intenções municipais e que se relacionava com as outras empresas participantes da licitação, sendo veridicamente constatado pela promotora. ´Meses antes da deflagração do processo licitatório, a empresa Consladel – Construtora e Laços Detentores e Eletrônica Ltda – tivera representantes em contato pessoal com membros da Administração Municipal Superior´, além de verificar que, ´conforme se colhe dos 04 orçamentos prévios assinados pelas empresas Arco Sinal, Facontru, GCT e Consladel, misteriosamente aportados na Secretaria de Administração conduzida pelo 2º requerido e utilizados para balizamento dos preços de mercado, mais de 63% dos itens apresentaram idênticos preços entre duas das quatro empresas, transparecendo odiosa montagem de orçamento, voltada à elevação do preço médio que passaria a ser tido como de mercado para a licitação´.

Falsa impugnação 
Consta também no relatório a qual a promotora faz a denúncia, que a empresa Data Traffic questionou algumas cláusulas do edital. No entanto, o questionamento foi indeferido sem saber quem determinou o indeferimento.

Tanto a secretária municipal de Planejamento e o secretário municipal de Trânsito, Sérgio Augusto de Carvalho, assumiram falsamente o indeferimento. Equivoco ainda quanto a tal falsa impugnação, a o questionamento da Data Traffic não foi respondido em sua totalidade e, estranhamente, não houve recurso pela Data Traffic.

A Construtora Cinzel Ltda também questionou o procedimento, mais especificamente quanto ao edital. Apurou a promotora que o presidente do processo de licitação simplesmente não anexou aos autos do processo licitatório o pedido de impugnação da Cinzel, ´tão somente existindo nos autos extrato de publicação imotivada de seu indeferimento que, estranhamente, não sofreu recurso!!!´, diz perplexa a promotora.

Consladel e Arco Iris 
Na fase da licitação em que se devem apresentar os documentos e propostas, o representante da empresa Arco Iris, também identificada pelo nome Arco Sinal, fez a apresentação, apesar de ter sido suspensa a sessão por motivo de ausência do Diretor de Trânsito. ´Porém, a proposta não existe nos autos´, relata a promotora.

O parecer técnico foi, então, levado ao Diretor de Trânsito, que emitiu parecer favorável à habilitação da empresa Consladel e Arco Iris.

Inconformado com o parecer, Davi Luiz procurou Eder Francisco, que apontou vícios na documentação da Arco Iris, dizendo que a empresa não apresentara registros profissionais, do termo de abertura e encerramento de balanço patrimonial da empresa e de certidão negativa tributária do Estado de São Paulo.

A promotora Margarida apresenta em seu relatório-denúncia perplexidade, pois ´tais ausências documentais constituem vícios elementares, absolutamente estranhos em licitações de alto valor como a presente e a empresas de grande porte como a Arco Iris, tanto mais que, conforme veio a ser apurado, a referida empresa não possuía débito para com o Estado de São Paulo´.

Em meio ao ´jogo de cartas marcadas´, como salientou a promotora, Eder Franciso inabilitou a Arco Iris, conduta realizada fora de suas funções, o que deveria ser feito pela Comissão de Licitações, caso apurasse alguma falha, o que não era o caso da Arco Iris que, ´pasme-se´, frisa a promotora, ´não foi intimada daquela absurda inabilitação tácita, porém dela misteriosamente tomando ciência para apresentar surreal termo de desistência do recursoisto em licitação de mais de dez milhões de reais´, conforme grifa a promotora no relatório em que pede abertura de Ação Civil Pública.

Consladel ´vence´ licitação 
A Consladel foi declarada ganhadora do processo licitatório, após a proposital inabilitação da Arco Iris. A Consladel venceu sem apresentar as amostras exigidas e sem a realização dos testes dos equipamentos. Tais amostras e testes foram apresentados apenas no dia seguinte, em oito de julho de 2009. No entanto, ´tais documentos, porém, não apresentavam qualquer assinatura e, por outro lado, continham teor totalmente diverso dos complexos testes de radares e monitoramento do trânsito exigidos no edital – cláusula 11.3, testes que, inclusive, deveriam ter sido realizados em data pré-agendada e sob supervisão municipal´, declara a promotora.

Frisa ainda a promotora Margarida Alvarenga que o prefeito Agnaldo Perugini ´homologou aquele viciado resultado na mesma data – 08/07/2009, isto sem parecer jurídico sobre a regularidade da licitação, obrigatório por força de lei!!!´.

Preços
Os efetivos preços de mercado dos itens licitados apresentado pela Consladel mostravam-se superiores aos da própria Consladel em licitação ocorrida no ano seguinte, em 2010, no Estado do Piauí.

Dos itens que tiveram os preços apurados pelo Ministério Público, verificou-se sobrepreço de 20% aos preços de mercado da época.

Cumprimento do contrato
Os ´ditos´ serviços realizados pela Consladel foram feitos após solicitações genéricas do então Diretor de Trânsito, o mesmo ocorrendo quanto posteriormente o mesmo ocupou a secretaria municipal de Trânsito. Tais solicitações foram feitas sem prévios estudos técnicos de adequação e necessidade, sem projetos, sem especificações e sem justificativas dos materiais que a Consladel utilizaria. A promotora atribui como ´carta branca´ para a Consladel executar o serviço da maneira que bem lhe conviesse, ´o que quisesse e como quisesse, em afronta flagrante aos interesses públicos, com claro potencial danoso aos cofres municipais´.

Por força da ´carta branca´, a Consladel realizou serviços de instalação de radares e outros serviços afins em locais inapropriados, ´como foi o caso do radar instalado em bairro essencialmente residencial, em mão de via sem histórico de acidentes (avenida Policarpo Gonçalves Campos, sentido Bairros Pousada dos Campos/Altaville), por eles cobrados e pagos aluguéis por hora corrida, não fiscalizadas´.

E não é só, muito serviço foi realizado pela Consladel, a fim de demonstrar que a empresa estava realizando o contrato, sendo ´vistoriados´ por engenheiro da prefeitura, profissional designado por Sérgio Carvalho. No entanto, foram apresentados estudos ao Ministério Público com dados falsos.

Equipamentos da Arco Iris
A apuração do caso da Consladel decorreu na constatação de que a empresa estava vinculada à Arco Iris, pelo fato de a Consladel utilizar os equipamentos de radar da Arco Iris, inclusive constando o nome Arco Sinal nos equipamentos, mesmo nome utilizado pela Arco Iris, identificação apagada quando a mídia local denunciou o caso.

Pagamento
À empresa Consladel foram pagas parcelas de mais de R$ 2 milhões. De acordo com a apuração feita pela representante do Ministério Público, o valor é referente ´a serviços não efetivamente conferidos ou fiscalizados pelo Município, acusados unilateralmente pela empresa executora (tipo e quantidade de material empregado, escolha da forma de atendimento da solicitação, execução sem fiel observância às normas de trânsito), de toda forma sendo induvidoso o pagamento de alugueis de radares/lombadas instalados sem estudos técnicos prévios exigíveis pela legislação de trânsito, com horas de funcionamento não fiscalizadas´.

A promotora Margarida Alvarenta finaliza ao caracterizar o ato do prefeito Agnaldo Perugini e seus secretários como ´afirmativo de fraude e do direcionamento da licitação voltado ao abjeto favorecimento da empresa Consladel, tudo com a participação ativa, dolosa e decisiva dos agentes públicos requeridos e da beneficiada´.

Legislatura passada chegou à mesma conclusão
Recentemente, em discurso na tribuna da Câmara Municipal de Pouso Alegre, o vereador Hélio da Van (PT) defendeu com veemência o retorno dos radares. Na legislatura anterior, o relatório de uma Comissão Especial de Inquérito – instalada especialmente para investigar a licitação dos radares – falando em ´suposto esquema de desvio de dinheiro´ foi lido pela relatora, vereadora Rogéria Ferreira (PMDB). Levado a plenário para votação, a base aliada, composta então pelos vereadores Dulcinéia Costa (PV), Fabrício Machado (PT, Hélio da Van (PT), Raphael Prado (DEM), acrescido dos suplentes Dito Barbosa (PSB), Gilberto Barreiro (PMDB) e Mário de Pinho (PT), foram contrários ao recebimento da denúncia; apesar de toda a documentação que acompanhou o relatório das investigações. Os vereadores Fred Coutinho (PSD), Laércio Poteiro (PTB), Moacir Franco (PTB) e do suplente Flávio Alexandre (então no DEM) votaram favoráveis ao recebimento da denúncia.

Dos que votaram na CEI da legislatura passada, cinco estão na atual legislatura: Dulcinéia, Gilberto Barreiro, Hélio da Van, Mário de Pinho, que se posicionaram contrários a qualquer investigação na questão dos radares e Flávio Alexandre, que, então, se posicionou a favor da investigação.

Fonte : TVUAI.COM.BR

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