Proibicionismo e arma de brinquedo

(de como o ignorantismo fomenta o comércio e o crime organizado)

A onda do proibicionismo das armas de brinquedo agora chegou em Brasília (DF). Tudo começou nos EUA e na Europa com o proibicionismo de origem moralista contra as drogas e o álcool. Anos 20 do século XX. Há tempos ele é encampado até mesmo por grupos progressistas (“gestores atípicos da moral”). Além da moralidade surgiram razões de saúde pública, segurança interna assim como internacional. O produto segurança é fácil ser vendido. Basta fermentar o clima do medo Seu veículo predileto: novo texto legal. Porque somos fetichistas em relação aos textos proibitivos. Adoramos. Toda proibição legal nos acalenta. Toda norma punitiva tem efeito sedativo. Suaviza nossas angustias e medos. Cobra o preço da postergação da nossa ignorância sobre o efeito preventivo do castigo (é a ignorância do grande meio-dia, diria Nietzsche). Mas a aceitamos de bom grado. Nos acalma (sem solucionar o problema).

 

A proibição das armas de brinquedo gerará (tanto quanto a do álcool nos EUA, na década de 20) muita fortuna para os mercados paralelos. Tais armas não serão mais vendidas nas lojas (sim, nos seus fundos). O crime organizado sempre agradece o proibicionismo. A China também (porque aumenta seu faturamento). São todos gratos por isso. Porque vem mais riqueza. O objetivo? Conscientizar as crianças e prevenir assaltos. Em nome da segurança toda proteção nos é vendida. Inclusive as absolutamente inócuas. Os assaltantes se valem de armas verdadeiras. Mais baratas que as de brinquedo. E a solução para as crianças? Não a encontramos nunca no proibicionismo, sim, na educação (é o que estamos fazendo com o cigarro). Trocar armas por livros? Boa iniciativa. Desarmamento infantil. A que ponto chegamos! Que adultos imbecis que somos! Educação, portanto, não somente das crianças, sim, sobretudo para os pais.

 

Os pais que deixam de comprar um livro para comprar uma arma de brinquedo para seu filho menor são os primeiros necessitados de instrução (3/4 da população brasileira não sabem escrever ou não sabem ler ou não entendem o que lê ou não conseguem fazer operações matemáticas básicas – M. A. Setúbal, Folha 15/9/13, p. A3). Homens das cavernas. Vivem na escuridão. Selvageria exposta. Concorrência desleal com as televisões, com os games e com os vídeos violentos. Que banalizam a violência. A pena adequada seria privá-los (os pais) de ver televisão por umas quatro semanas. Tempo razoável para se fazer um curso bem feito, alcançando-se, assim, um duplo benefício: um gerado pelo que deixarão de ver de nefasto (com armas verdadeiras) e outro pelo que conseguirão aprender de útil para o resto da vida. O problema central não é o objeto, sim, o processo de socialização/humanização/ética (Ana Mercês Bock, Estadão 29/9/13, p. E9).

 

A lei brasileira já proíbe o fabrico, a venda, o comércio e a importação de brinquedos que simulam arma de fogo (Estatuto do Desarmamento, art. 26). Mas o que significa a lei para nossos ancestrais costumes? Qualquer vírgula que uma lei municipal ou distrital agregue a isso em termos proibitivos será inconstitucional. Poder exclusivo da União para legislar sobre o tema. A competência legislativa dos municípios e do DF é unicamente suplementar. Proibições inócuas. Inócuas porque serão declaradas inconstitucionais. Inócuas porque superadas pela nossa ignorância.

 

Não se educa nenhum povo americano pelo proibicionismo. Isso ficou claro com a proibição do álcool. Não se alteram comportamentos sociais (sobretudo nas Américas) sem trabalhar com o convencimento das pessoas. Coação não é persuasão. Persuasão invade as mentes. Coação atinge o corpo (ou sua parte mais vulnerável: o bolso). Mas nenhum governo dura só pela coação. São longos quando há persuasão. Trabalhar as mentes das pessoas é muito mais produtivo que mentir para elas. O proibicionismo tem parentesco com o infantilismo. Educação se vincula com nosso estágio de adultos, com capacidade ética. Caminho mais rápido para a evolução. Se é que a queremos. Porque, o que seria do ignorantismo (exploração da ignorância), sem sua matéria prima? Como anda nossa instrução ética de respeito ao próximo (ao parceiro social), à natureza, aos animais e ao bom uso das tecnologias? As crianças se socializam/humanizam com bons exemplos de respeito ao outro (não se pode matar, não se pode destruir). As armas não trazem agressividade. Nós é que, para destruir, a buscamos. Abandoamos o mundo da ética, sobretudo para as crianças. Muitos cadáveres antecipados ainda serão sepultados!

LUIZ FLÁVIO GOMES, jurista e coeditor do portal atualidades do direito.com.br. Estou no facebook.com/blogdolfg

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